sexta-feira, outubro 13, 2006

Vingança ou Libertação


Numa atmosfera expressionista desenvolve-se uma trama cinematográfica interessante e baseada em fato historicamente real.
Guy Fawkes foi enforcado e esquartejado por pretender mudar o rumo das coisas do seu país, para isso tentou explodir o parlamento britânico.
Não conseguiu.

O filme “V de Vingança” explora a rebeldia calculista e libertadora como que a resgatar a imagem do chamado “traidor” Guy Fawkes e recolocá-la no lugar de membro de uma resistência contra o fascismo que impera no país por volta do ano 2020.
Uma época onde os Estados Unidos perderam sua hegemonia e tornaram-se palco de uma longa guerra civil e um lugar para todas as vítimas da guerra biológica e de experiências químicas monstruosas de fazer Joseph Mengele parecer um simples guri brincando com um microscópio.

Fica patente no filme o cuidado fotográfico pra não desgarrar da trilha do expressionismo, sem prejuízo das questões de foro íntimo que nunca são esquecidas, entre vítima e algoz.
Isso acaba por dar um tom de humanização a toda a trama, posto que as emoções vivem juntas, porém quase em contraposição ao cálculo.
Seja no redemoinho dos sentimentos de Evey, seja na insanidade beata do chanceler Adam Sutler assumindo a rédea do fascismo nacional britânico, seja no entorpecimento das massas que encontram freqüência de ressonância fascista diante do jugo daquele que temem e odeiam ao mesmo tempo, ou mesmo do próprio V que se depara tocado de um sentimento por Evey diferente disso tudo. Mesmo sem abrir mão de cumprir seu lúcido papel de derrubar a “bastilha” do contexto.

O detetive Finch é um dos personagens centrais apanhados pela luz que se faz quando alvitra ser o Estado o grande arquiteto da perversidade, com a finalidade de justificar o controle total das pessoas.
Isso fica absolutamente claro com os ícones mais conhecidos dessa doutrina: o toque de recolher e os “homens-dedo”, os quais nos fazem lembrar a PIDE ou a Gestapo.
Ao mesmo tempo, soma-se o ensinamento cruel, mas redentor de que alguém que pretenda sobreviver nessa atmosfera hostil, antes de tudo tem que aprender a não temer a morte.

O personagem V, que pode ser entendido como um anjo vingador, acaba tendo a injeção da eficiência absoluta, pondo em marcha o projeto de explodir o símbolo que mantinha a submissão e a delegação desmedida de poder que o povo acabou por conferir ao governo.
O Parlamento, o símbolo, é que sofre destruição.
Até porque a narrativa foge do conceito de vítimas. Não se fala em vítimas na população. Apenas os culpados dos grandes crimes que são punidos com a morte.

Talvez por isso V fica também marcado como uma espécie de terrorista herói.
Por não pretender virar governo e pelo caráter libertador.
E até por algumas frases de grande sonoridade e efeito.

Tais como:
ao pedófilo Bispo Lilliman: “...E assim vesti minha vilania nua com trapos roubados das escrituras e me fiz de santo quando, na verdade, era o demônio.

ou em conversas com Evey: “...Quem é só a forma que deve ter um porquê. E o que eu sou é um homem de máscara” ...
“...Quero dizer que eu, assim como Deus, não jogo dados e não acredito em coincidências”.

"...Não é o povo que deve temer seu governo. O governo é que deve temer o seu povo..."

É um filme que se encerra em si.
Os efeitos visuais e sonoros são muito bons.
O ritmo e as transições são ótimas na base da narrativa.

Pessoalmente, eu gostei muito.